terça-feira, 24 de junho de 2008

ECONOMIA CRIATIVA E MEIO AMBIENTE - UM CASAMENTO PROMISSOR

Começando pelo lado vazio do copo brasileiro: investimentos precários em infra-estrutura, rede de comunicações ainda aquém da desejável, qualidade da educação formal degringolante, falta de práticas públicas de longo prazo. Agora, o lado cheio: pujança criativa, diversidade cultural estonteante e uma biodiversidade tão vasta, que nem mesmo nós a conhecemos por completo. Além, convenhamos, daquela mania irresistível de mudar algo aqui e algo ali, para ver no que dá... A tal da criatividade que é tão associada ao perfil do brasileiro.
A pergunta que não quer calar: como subir o lado cheio, tendo em vista o peso acachapante do lado vazio? Com vocês, a economia criativa à brasileira, ancorada em um entrelaçamento indissociável de cultura e meio ambiente como base de negócios. A tal ponto que há quem fale de diversidade biocultural, como o fruto de um processo histórico de conhecimento e produção. O que isso tem a ver com oportunidades de negócios? Tudo.
Embora não haja uma definição única de economia criativa, ela compreende setores e processos que têm como insumo a criatividade – ou seja, o que é diferente, singular, único - e trabalham com modelos de negócio inovadores, para produzir bens e serviços com valor ao mesmo tempo simbólico e econômico. Em última instância, a criatividade, o intangível do conhecimento incorporado a produtos e serviços, inclusive os que unem cultura e meio ambiente.
Esse leque de produtos e serviços tem, em um extremo da escala, os saberes e fazeres de nossas comunidades tradicionais – ribeirinhas, indígenas, quilombolas, que nos apresentam um outro modo de ver o mundo, de forma muito mais complexa e enredada do que nossos olhos urbano-ocidentais conseguem. São outros códigos, outras formas de resolver problemas – inclusive problemas que nos parecem insolúveis, neste momento de questionamento de paradigmas econômicos e sociais. Para essas comunidades, uma palmeira tem não só valor como parte de um todo ambiental, mas também cultural. É dela que se fazem cestos, pratos típicos, histórias inspiradoras. Ora, se o cesto não tem valor econômico e é mais acessível comprar o pote de plástico da novela das oito, a palmeira passa a ser só uma palmeira. Se para abrir caminho ao pasto a palmeira for cortada, o que sobra é a necessidade de comprar o pote de plástico. Duas diversidades que entram em extinção, já que cultura e meio ambiente são absolutamente indivisíveis.
Por outro lado, temos uma população urbana ávida por experiências, conhecimentos e produtos artesanais, sem acesso a eles por simples falta de distribuição. Por falta de acesso. Por falta de visão de empresas que percebam nisso um filão de negócios varejistas e de bancos que invistam no crédito a cooperativas e negócios culturais de forma efetiva. Na contramão dessa história, empresas como Tok&Stok e Pão de Açúcar vendem produtos étnicos e regionais e restaurantes como Brasil a Gosto desvendam a nossos sentidos a riqueza indissociável entre cultura e meio ambiente,
No outro extremo da escala, temos uma miríade de empresas de vários tamanhos, de gestão familiar a conglomerados farmacêuticos, de cosméticos, instrumentos musicais, design e jóias, que vêm buscando na riqueza de nossos recursos ambientais a inspiração para transformar seus produtos em experiências de uso, que trazem em si uma história, um contexto, uma ampliação de horizontes. Surgem assim os cosméticos da linha Ekos, da Natura; as biojóias de tantos designers e redes de joalherias brasileiras; e empresas exportadoras de instrumentos musicais feitos com nossas matérias-primas e dos quais saem sons que levam nossa música e a imagem do Brasil a outros continentes.
Outra vertente promissora nessa questão é a do turismo cultural legítimo, aquele que amplia a visão de mundo dos visitantes que, por sua vez, comportam-se como hóspedes admirados. Hoje, uma das grandes tendências dos viajantes, a bordo da chamada onda da economia da experiência, não é assistir a festas tradicionais ou simplesmente degustar um prato típico em um restaurante local. Eles querem ir para a cozinha, aprender a cantar a toada, decorar as ruas com bandeirolas e vestir a fantasia. Querem entender o contexto da criação e ser parte dele, compreender sua história e com isso transformar a sua própria história.
Os recursos que o turismo cultural gera são de um potencial avassalador. Basta imaginar que a World Travel Organization projeta para 2020 um fluxo de 1,6 bilhão de turistas, dos quais somente 17,6% para as Américas... E, desse total, apenas 4% para o Brasil, o que não passa de 0,7% da pizza mundial... Se considerarmos que 56% dos turistas optam por destinos que tenham apelo cultural, a conta para que demos mais reconhecimento econômico à soma das nossas diversidades cultural e ambiental é simples.
O que falta, para catalisar essa tendência, é reconhecer de vez o potencial de negócios que vem do encontro da biodiversidade com a diversidade cultural. Isso envolve analisar os gargalos na cadeia de produção, na capacitação de profissionais que atendam às diversas fases de criação, produção e distribuição, desenvolver um modelo de análise do intangível cultural que constitutade fato um business case e começar a tratar cultura e meio ambiente não como despesas e problemas, mas como investimento, recursos socioeconômicos e filões negócios singulares, sustentáveis e ainda inacreditavelmente inexplorados.
ANA CARLA FONSECA REIS
Administradora Pública pela FGV, Economista, Mestre em Administração de Empresas e Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela USP, Ana Carla é fundadora da empresa “Garimpo de Soluções – economia, cultura e desenvolvimento”, consultora em economia criativa para a ONU, curadora da conferência britânica “Creative Clusters”, do “Creative Cities Summit” de Detroit e de diversos seminários nacionais e internacionais. Conferencista internacional em cinco línguas, é autora de “Marketing Cultural e Financiamento da Cultura” e “Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável " (Prêmio Jabuti 2007 em Economia, Administração e Negócios). e É professora de pós-graduação da Fundação Getulio Vargas (SP), Universidade Candido Mendes (RJ) e Faculdade São Luís (SP).

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