quinta-feira, 10 de julho de 2008

UM SARAU NA FLORESTA



Por Sérgio Luiz Gadini
Jornalista, professor/doutor na Universidade Estadual de Ponta Grossa, onde atua no curso de jornalismo e no programa de Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas.


Reunir sons naturais, textos poéticos e acordes musicais com ritmos que ressoam em nossos beiradões, no desejo de registrar os sonhos e o jeito simples de ser das pessoas que habitam as margens esquecidas dos rios da Amazônia. Este é a proposta do CD Sarau na Floresta, do músico, poeta e compositor amazonense Celdo Braga.
Na primeira faixa, a introdução deixa bem claro o objetivo do álbum. Daí em diante, sons da mata se misturam com declamações poéticas – da própria autoria de Braga – e sons instrumentais, que simulam cantos de pássaros, a descrição de experiências da Grande Amazônia, além de homenagens e lembranças da vida humana na Região.
E o que mais se pode ouvir no Sarau da Floresta? Na segunda faixa, por exemplo, pode-se ouvir o som do vento... soprando, nas matas! Na sexta faixa, Braga apresenta o canto do Uru que, na sutil apresentação, se sobrepõe ao som dos instrumentos musicais. Na seqüência, o CD traz sons que simulam movimentos e a vida na mata, como na música “Curupira e o caçador”, onde os instrumentos produzem um “efeito de sapopema” e de uma caminhada na mata. Já na faixa 11, o som do “macaco Prego” reporta o pensamento do amante da música para o grito animal no interior da mata.
Várias faixas são compostas apenas de poesias, somente na voz do próprio autor e compositor, como a 4 (“Farinha”), 7 (“O caboclo e a canoa”), 8 (“Do fundo da cuia”), 9 (“Contexto de Pau”), 11 (“A planta sabe”) e a última (16), “Chico Mendes: silêncio em prece”. As poesias revelam um pouco da sensibilidade do poeta (que também é autor de vários livros, entre os quais “Água e farinha”, já em sua 3ª edição, publicado em 2001):

“São mãos calejadas, na lavra dos sonhos
Coivaras, brocados, em meio ao carvão.
No ventre da roça se assanha a maniva
Milagre da lenda na trama do chão”.

Entre poesias, ritmos instrumentais e músicas, Sarau na Floresta registra 43 minutos de gravação, que encantam pela sutileza, simplicidade e criatividade no modo de apresentar o que o CD indica como “modos de ser” dos moradores ribeirinhos da Amazônia.
O que chama a atenção em Sarau na Floresta é a variação de sons, resultado de combinações e experimentos que envolvem diversos instrumentos musicais, não tão habituais em grupos folclóricos, tais como o Cuatro Venezuelano, a Marimba (teclado), kalimba, xeque, djambê, escaleta, dentre outros. Isso, claro, sempre marcado pela presença de sons, efeitos, pios de pássaros e cantos de animais, que remetem a um mundo mágico da vida da mata nativa.

Mas quem é Celdo Braga?
Amazonense, natural de Benjamin Constant, é graduado em Letras (pela PUC-RS). Foi no Rio Grande do Sul que passou a mixar variações de diferentes gêneros musicais, como a nativista gaúcha, com algumas expressões da musicalidade própria do Amazonas. Braga também foi um dos fundadores do Grupo Raízes Caboclas que, em 2007, percorreu diversas cidades do Brasil, com apresentações artísticas pelo Projeto itinerante Sonora Brasil, promovido pelo Serviço Social do Comércio (SESC), que anualmente seleciona diferentes grupos musicais das mais diversas regiões do Brasil, para realizar uma turnê com apresentações em inúmeras cidades do País. Foi, diga-se de passagem, nesta passagem que o CD de Braga se tornou conhecido, durante um show de aproximadamente 60 minutos, realizado em na entrada da Primavera de 2007, nos Campos Gerais do Paraná (Ponta Grossa, 21/09/2007, numa noite de sexta-feira).
É claro que se algum desavisado espera encontrar agitação e som pesado em Sarau na Floresta escolheu o CD ‘errado’. Mas, certamente, para qualquer amante da música, que envolve experimentação instrumental, combinações ousadas e a tentativa de representar sons da mata nativa, vai encontrar no disco de Celdo Braga um produto cultural que encanta, do início ao fim, seja pela simplicidade, quanto pela leveza que os instrumentos musicais conseguem produzir. Celdo Braga retrata alguns dos encantos musicais das ‘margens esquecidas’ da Amazônia.
E o que mais chama atenção em Sarau na Floresta? A homenagem a um dos seringueiros mais conhecidos da Amazônia no mundo – Chico Mendes, assassinado em 1988, depois de travar muitas lutas em defesa dos direitos dos trabalhadores nos seringais – encerra o Sarau na Floresta:


“Luz de poronga se apaga
Silêncio no seringal
Coração – tambor do tempo
Cala o sonho e o ideal.
O sol mingua claridade
Toda a floresta escurece.
No céu da grande Amazônia
Chico Mendes se faz prece.
Prece para refletir
Prece pra gente rezar.
Semente de sonho e vida
E a vida vai germinar.
Viva a Amazônia e o povo
Que Chico quis libertar”

Enfim, trata-se de um produto musical, que vale conferir! Afinal, é um CD que retrata situações típicas, com sons próprios, da vida na mata, com todos os seus encantos e ideais... que, muitas vezes, na forma como estão apresentados, só a música consegue mostrar.
A expressão de traços culturais da Grande Amazônia chega vai, para além dos rios e matas da Região, através de um produto de mídia, na forma de um CD... possibilitando que outros amantes, estudiosos ou meros simpatizantes da cultura popular também possam usufruir de alguns encantos da natureza humana, reproduzida no bem cultural.

Informações:
www.celdobraga.com.br - celdobraga@kintaw.com.br



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